«Passei demasiada vida sem sair do mesmo sítio. Neste cenário, que se cumpria dentro das paredes do meu quarto, numa infância em que só a cabeça viajava, afundei-me nos livros para afundar o dia-a-dia. Foi uma maravilha. O meu primeiro navio tinha a água do lavatório, o meu primeiro avião tinha o vento do secador – o meu quarto ficava num salão de cabeleireiro ilegal na minha casa, onde os meus pais me abriam o divã à noite, e onde eu me deitava a ver papel antes de o navio afundar Morfeu adentro. A literatura foi sempre uma porta aberta para o mundo. Já adulta, sinto que descobri muito da vida naquela cama onde cresci – cama que entretanto se fez outra, quando o cabeleireiro ilegal se fez meu quarto e biblioteca. Ainda hoje me é impossível pensar naqueles confinados metros quadrados sem sentir que a vida se abriu lá. Já eu era maior de idade quando, pela primeira vez, saí de Portugal. Aqui, podemos assumir que, para uma minhota, Galiza nem chega a ser estrangeiro. Em 2008, fui a Londres. Em 2009, tive uma bolsa da Comissão Fulbright que fez com que fosse estudar para Filadélfia, costa leste dos Estados Unidos. Foi lá que conheci o Mehdi. Adianto já que, desde aí, nunca mais aguentei parada, mas antes disso há que continuar a ode à musa.» «Cada um vasculhava o mistério que havia no outro, com uma sensação impactante de chegada: éramos de mundos diferentes e éramos exatamente iguais. Foi lá que conheci o Mehdi, mas já lá vamos.»