Livro de impressões e atmosferas, Nas esquinas do olhar é todo ele uma viagem
que, partindo dos Açores e passando por Lisboa, se abre ao mundo e ao oriente em
especial: Macau e Vietname. A ação situa-se nas décadas de 80 e 90 do século
passado, com referências à queda do muro de Berlim (1989) e à devolução
portuguesa de Macau à China (1999), prolongando-se até à atualidade. E articulando-
se em dois planos geográficos e temporais, o livro intercala, em flashbacks muito
visuais, a lembrança nostálgica (revisitação da ilha enquanto espaço matricial e mítico,
e da infância e da adolescência enquanto paraísos irremediavelmente perdidos) com a
descoberta dos grandes espaços urbanos desse “oriente longínquo”…
De resto, esta é uma escrita muito sensorial, com vozes, sabores, aromas e cheiros à
mistura: os de “cá” e os de “lá”, que se conjugam e se interpenetram. Como se o Tejo
desaguasse no rio Mekong. Açorianidade e Orientalidade. Temos o anticiclone dos
Açores e a asiática monção do nordeste. O canal Faial/Pico e os mares do sul da
China. O bulício de Saigão e a paz contemplativa da paisagem açoriana. Lá, o voo dos
flamingos, cá, o das ganhoas. A pacata Horta (“a maior cidade pequena do mundo”, no
dizer de Pedro da Silveira) e o cosmopolitismo de Hong Kong. Os “cerrados” da ilha e
os arrozais do Vietname. O minchi e os chicharros fritos com batata-doce. O café
“Maxim´s” onde se bebe vinho de arroz, e o gin tónico da amizade do “Peter Café
Sport”. (Cheguei mesmo a imaginar o Gilberto “das lanchas” a puxar um riquexó…).
VICTOR RUI DORES